quarta-feira, 14 de julho de 2010

Patrícia Penosa - A Travesti Italiana

Há semanas quero escrever sobre a travesti Patrícia, que ficou famosa pelo vídeo "Patrícia Penosa - A Travesti Italiana", disponível no Youtube. O vídeo me foi enviado pelo meu querido amigo Handré, e a primeira reação, creio que para a maioria seja assim, foi de rir, rir muito com as peripécias desta exótica personagem encenada por esta mulher-homem da Bahia.
Vi, ri, re-vi, ri mais ainda... Mas, logo a seguir, segurei o riso e fui analisar os detalhes de um vídeo produzido e editado por uma rede de TV com uma ideologia bem definida, de um programa popularesco, destes ao estilo do Programa do Ratinho, que colabora e muito com a propagação da ignorância e do emburrecimento do povo, além de estimular o racismo, machismo e homofobia.
Patrícia não é apenas um personagem para fazer rir, é também para chorar. Dá pra continuar rindo com a rudeza de um ser acostumado a apanhar, mas que reage à porrada com a mesma agressividade, agressividade esta que torna-se até assustadora. E dá pra chorar, e muito, com o olhar de quem será a vida toda, peço a Deus que não, objeto do ódio, da violência e da marginalização.
Por isso, quero compartilhar com vocês minha análise do vídeo, análise esta não muito científica, mas cheia de sinceridade e verdade.

Assista o vídeo aqui!


Patrícia é um ser marginal, como tantos outros que se vê por aí. Prostituta das ruas de Salvador da Bahia. Negra, pobre, nitidamente semi-alfabetizada, com cara de quem já levou porradas outras na vida, nem sempre físicas.
À primeira pergunta do repórter de meia tigela Patrícia responde:

"-É assim ? Já estou acostumada a ser humilhada!"
"-E... a gente que trabalha nessa vida, que não tem patrão, que não tem ninguém pra apurar os nossos casos, só Deus, temos de estar preparadas pra tudo na vida."

A estranha personagem segue o seu destino rumo à delegacia, elegante e desengonçada, Patrícia acena para a câmera, dando um "tchau", mas logo volta enfurecida e profetiza esquizofrenicamente:

"-Quem cospe pra cima cai na cara meu amor... Castigo de Deus!"

A seguir, vê-se o programa de TV, com sua ideologia homófoba e ridicularizadora, focar no emblema da corporação policial responsável pela captura de Patrícia, onde lê-se: "contenção e manejo de animais silvestres".
E eles realmente não estão errados!
As travestis, principalmente as que sobrevivem da prostituição, são tratadas pela polícia como animais selvagens que devem ser contidos, expurgados e até mortos, mas nunca preservados. Nessa questão Patrícia tem toda a razão, ela só tem Deus por ela, para apurar os seus casos, para velar por ela. Patrícia tem cara de quem realmente deve estar preparada para tudo na vida. É um animal em todos os sentidos, no pior, como execrada e marginalizada pela sociedade, com o aval e assinatura final da Igreja, e no melhor, como uma  tigresa, antes, como uma leoparda, pronta a rosnar da única maneira que sabe rosnar para uma sociedade excludente e perversa, afrontando.
Na fala do representante do poder do Estado, o policial, ouve-se a antítese travestiXcidadão. Na fala do poder o travesti, que não é cidadão, contradiz o "cidadão", cujo rosto nem é mostrado, que contradiz o travesti. E ele [o policial] está errado em sua afirmativa? Tem Patrícia direito à cidadania plena na republiqueta das bananas brasileiras? A pantera rosnante Patrícia, nada mais é que uma travesti, não um cidadão, é a fala do policial.
Ao final, e a melhor parte, é quando Patrícia veste o seu personagem (logo depois de tentar denunciar que o guarda queria lhe bater, denúncia esta abafada pela mídia marrom responsável pela entrevista), roda a sua baiana e rosna, como uma linda pantera sem dono, seios à mostra, afrontando com a única arma que possui, o seu próprio ser,a santidade mentirosa da sociedade hipócrita dos lados de cá do mundo.


"-Graças a Deus, eu tenho Deus e me garanto...
Os policiais agressivo querem machucar a gente..."
"-Calma, Calma... sou um travesti, tenho prótese, tenho silicone, sou um traveco!"


Ao que o repórter zombadamente diz:
"O que mostra que Patrícia tem poder."

E sua resposta é:
"-Tenho é uma p... grande e grossa!"

Salve Patrícia! Salve a não-cidadã, a marginalizada e excluída, aquela que só tem Deus por ela. Salve Patrícia! Salve a bela negra das ruas de Salvador, sem dono, como um cão de rua, sem patrão, sem família, sem Estado.
Deus fala pela boca dos excluídos e dos marginalizados, disso não tenho dúvidas, e como fala pela boca de Patrícia, ao nível quase de inspiração. Ela sabe que pode contar com Ele, e somente com Ele.
Ao fim da entrevista Patrícia, santa Patrícia das ruas da Cidade da Bahia (como Jorge Amado chama Salvador), intercede, como uma Madalena do Século XXI:



"-Que eles não me matem, os policiais, de me bater, de porrada, porque não sou um marginal, sou uma prostituta..."

Que Patrícia não se torne mártir, que continue a rosnar e denunciar o Estado punitivo e segregador e esta nossa sociedade hipócrita, e que continue a contar com Deus, que certamente a guardará de todos os males.

Que Deus te guarde Patrícia!