sexta-feira, 10 de junho de 2011

PENTECOSTES (πεντηκοστή)

O dia cinquenta : “hu hu papai chegou!”

Ao ler Os Evangelhos a Luz da Psicanálise, de Françoise Dolto com alguns amigos em minha casa, tenho percebido a importância dos arquétipos da família para uma hermenêutica possível do Evangelho. Hermenêutica inclusiva por excelência; primeiro porque a própria idéia de família implica em seu sentido mais amplo, no de inclusão, apesar das tentativas fundamentalistas milenares na direção contrária. E segundo porque o Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte de nosso país julgou procedente a demanda da comunidade LGBT pela emancipação jurídica na constituição de entidade familiar.

Papai, mamãe e filhinhos assumem a partir da minha leitura desta bela obra a perspectiva que um dos maiores gênios da psicanálise, Jacques Lacan elaborou para a questão dos papéis familiares, catapultando seus arquétipos para longe da escravidão dos papéis de gênero e da atividade reprodutiva. Lacan ressalta a paternidade, maternidade e filiação enquanto função, nos possibilitando ver de diversos ângulos a equação familiar: um homem-mãe, uma mulher-pai, um filho-mãe, um pai-filha, uma mãe-filho são algumas das várias possibilidades nesta complexa e riquíssima trama de relações. Então vejamos:

Em virtude da falta de possibilidade de um portal dimensional ou uma máquina do tempo que nos teletranspotasse ao 1º século da “era cristã” podemos apenas imaginar, e talvez no auge de nossa inspiração sentir, a angústia pela qual passavam os apóstolos, fechados em seu próprio medo em uma certa casa de Jerusalém durante os 49 dias posteriores a crucificação de Jesus Cristo.

Não podemos sequer auferir com toda rigidez essa contagem de dias e datação, que pode estar muito mais ligada à construção de uma tradição da Igreja do que provavelmente a acuidade histórica. Mas deixemos a história comprovável (isso é possível?) para a obcessão dos historiadores. E pensemos na vivência eclesial que nos empurra para a frente em nossas vidas diárias. Abracemos a tradição da igreja, mas sempre com o devido cuidado de tradução da tradição.

A magna data de Pentecostes aponta para o início da formação de uma entidade familiar: a cristandade. Entidade familiar diversa, plural, muito longe da noção estereotipada que conduz a homongeneidade nuclear e burguesa de família. Nem tampouco sugere-se uma família de “agregados”, esfarrapada em si mesma e sem qualquer traço de coesão afetiva.

Família com propósitos claros: crescer e multiplicar seus componentes, sejam eles quem forem, venham de onde vierem, cheguem como chegaren. E para isso o derramamento do Espírito Santo vem acompanhado das línguas estranhas/estrangeiras (o original grego aponta para a idéia de OUTRAS línguas ao invés de demarcar o adjetivo do estranhamento) afim de que toda a diferença se expresse na inclusão. Inclusão da tenda verdadeiramente aberta, e não a da homofobia cordial das igrejas fundamentalistas, que recebem o diferente de braços abertos e algemas nas mãos.

A entidade familiar que o Espírito Santo confirma em Pentecostes tem suas portas abertas para fora, e não para dentro. Recebe quem entra mas convida a sair para o mundo, semeando a Boa Nova e anunciando o Querigma do Senhor. Não é a família-conforto, sentada no trono ou paralisada no triplo Sanctus angelical diante do Trono. O Espírito Santo exorta a entidade familiar por ele consolidada à intrepidez e a ousadia; à fronteira e não a demarcação de território.

Família dinâmica a que as línguas de fogo abrasam no dia cinqüenta: cheia de pais, mães e filhos mixados na proposta lacaniana da função dos papéis. Família revolucionária, instável e nem por isso frágil. O cristianismo, hoje religião que menos cresce no mundo (apesar da histeria integrista brasileira) só tem solução na entidade familiar chamada cristandade, que o Espírito Paráclito de Deus tornou possível, e na pluralidade apostólica que pode e deve ser resgatada em nossos dias atuais. O que nos unirá será então apenas a centralidade barthiana em Cristo, aquele que realmente importa, e que nos presenteou e ainda presenteia em Pentecostes com o fogo do Consolador.

Uma família complexa justamente porque marcada pelo mistério divino, (o tremendum sagrado de Rudolf Otto) que condiciona sua formação a ousadia da desconstrução do edifício do ódio ilustrado desgraçadamente em grande medida nos dias de hoje pela homofobia e incitação à violência; muitas vezes diretamente dos púlpitos pastorais, que não comungam da pulsão inicial do dia de Pentecostes, mas se dizem pentecostais.

Neste domingo celebraremos a entidade familiar que Pentecostes anuncia: uma cristandade para todos porque para todos veio o Senhor.

Ecclesia reformata et semper reformanda!

André Sena



“Betel: fé que pensa, razão que crê.”

Visite o nosso site: www.betelrj.com

3 comentários:

Carolina disse...

Olá!
Sou estudante de jornalismo e estou fazendo uma matéria que gira em torno do tema homossexualidade e religião, principalmente após a oficialização da união entre pessoas do mesmo sexo na Brasil. Ao fazer uma pesquisa sobre a Igreja Inclusiva, encontrei seu blog e gostaria de entrar em contato para conversarmos sobre o assunto. Em que email posso contáta-lo ou em que perfil em redes sociais? Obrigada!

pariforma disse...

meu e-mail pessoal é:
andremacabeu@hotmail.com

ide disse...

cs com certeza estão brincando com Deus, com o eterno não se brinca pois como ainda teem coragem de dizer que ele que DEUS NÃO FAZ ACEPÇÃO DE PESSOAS.Bom qual é o sentido de acepção. Ele realmente não faz acepção de ninguem mas a sua palavra fala em APOCALIPSE 22:15 Não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbedos, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus". I Coríntios 6:9. "Ficarão de fora os cães, os feiticeiros, os adúlteros, os homicidas, os idólatras, e todo o que ama e pratica a mentira". Apocalipse 22:15.